26 de fevereiro de 2012

A Ilha do Oráculo


[Fragmentos] 
 "Por fim o que restava de seu barco deslizou sobre a areia encalhando na praia. Os sóis estavam altos no céu e Kyrion pôde então compreender, ao ver de perto, o que eram aquelas formas que avistara enquanto se aproximava da praia: várias estátuas de um material semelhante ao vidro, porém muito realistas, o que dava impressão de estarem vivas.
  Não havia tempo para apreciação de estátuas e esculturas, precisava chegar logo ao oráculo, pelo que fez uma rápida avaliação na ilha, onde pôde perceber que havia uma espécie de templo no alto da colina mais alta, e uma longa estrada que levava até ele. Não demoraria muito para chegar lá, talvez antes do fim da tarde já estivesse lá.
  Assim, pôs-se a caminhar, seguindo pela estrada, sempre em frente, e apesar de a estrada serpentear pelo descampado, ainda viam-se estátuas aqui e acolá. Algumas estruturas, ruínas de antigos edifícios e construções surgiam pelo caminho à medida que ultrapassava uma e outra colina mais baixa que a do templo.
  A noite caiu densa, como o manto sombrio da desilusão. Logo a chuva começou, e a lama no chão se formou rapidamente. As estátuas vítreas faziam os cabelos da nuca de Kyrion se arrepiarem a cada relâmpago, elas pareciam ganhar vida, isto fazia com que se sentisse vigiado, como se a qualquer momento algo invisível lhe saltasse aos olhos tentando devorá-lo.
  Passara por tanta coisa até chegar naquele lugar ermo: uma ilha, cheia de estátuas de vidro, no meio do Mar Central. Não havia visto nenhuma criatura viva desde que chegara, e nem fantasmas parecia haver ali.
  Quanto mais andara, mais longe parecia estar o Templo do Oráculo Primário, o primeiro e último de sua espécie. O mais temível de todos os tempos. Uma criatura de tamanho poder e sabedoria. Dizia-se que todos que iam a sua procura jamais retornavam. Certamente muitos morriam pelo caminho, alguns devorados pelos monstros marinhos, vários tragados pelos sorvedouros, outros tantos tendo seus barcos despedaçados nos rochedos, ilhotas e recifes de corais, obviamente levados por ventos maus que sopravam no mar. Por todos esses e outros perigos Kyrion passara, mas a todos os obstáculos superara, porém, não ileso.
  A chuva se tornou mais forte. Por sorte Kyrion tinha parado debaixo de uma laje de pedra, que não foi capaz de identificar que tipo de construção teria sido, mas não importava, era um bom lugar para encostar a cabeça e ressonar para mais um dia de viagem.
  Foi uma noite sem sonhos.
  Levantou-se pela manhã com os sóis já altos no céu, olhou a sua volta e percebeu que a chuva já havia passado há muito tempo, pois as poças que haviam se formado começavam a se secar. Olhou à sua volta, e todas as estátuas continuavam ali, a refletir brilhos multicoloridos. 
  Dando-se conta do tempo que perdera dormindo, olhou para o templo, que ainda estava longe, com suas torres que pareciam emanar algum tipo de energia desconhecida, e flutuando acima e ao centro dessas torres ficava um globo, e dentro desse globo podia-se ver uma silhueta de um ser que, pensou Kyrion, poderia ser o próprio oráculo.
  Aguçou a visão, e percebeu que o ser o fitava. Kyrion contemplou aqueles olhos cor de marfim, sem pálpebras, íris ou pupila, apenas uma órbita clara que o olhava profundamente. Uma sensação vertiginosa tomou conta de Kyrion, tamanha proximidade e rapidez havia sido aquele contato visual, desviou o olhar rapidamente, o que fez com que logo descobrisse que estava próximo do templo, mas algum tipo de ilusão o fazia pensar o contrário.
  Pondo em prática tudo o que aprendera, fixou novamente o olhar naqueles estranhos olhos, daquela estranha face de um tom púrpura, cheio de marcas, olhos antigos, amargurados, solitários, olhos de quem vivia há muito tempo sem ver vivalma, que nunca conhecera o sabor de uma família, um amigo ou qualquer coisa próxima disso, e que jamais conheceria tal. Tentou então perscrutar as fraquezas daquele ser, invadir-lhe a mente, romper as barreiras uma a uma.
  Uma onda psíquica muito forte foi criada ao choque de duas mentes tão poderosas. Uma onda que enlouqueceria até mesmo o mais poderoso telepata do mundo conhecido. Prostrou a ambos. Estafado Kyrion começou a cair para frente, mas vendo que seu rosto ia de encontro a uma pedra pontiaguda, moveu-se de forma lenta e desajeitada para o lado, ferindo assim seu ombro e joelho de raspão.
  A ilusão se desfez, e Kyrion se viu ao pé de uma escadaria não muito alta, dois ou três lances, com dez degraus cada. Levantou-se olhando seus ferimentos, que não passavam de arranhaduras, passou um pouco de unguento de cura, e olhou para a escadaria, levantando os olhos para o globo que baixava ao chão. Observou também que a energia que emanava das torres havia diminuído consideravelmente.
  Era hora!
  Subiu as escadas em direção ao globo, não sem pressa, para encontrar cara a cara aquele que poderia lhe dizer ou mostrar tudo o que desejava saber."
[Continua...]

- Dos Relatos de Kyrion - O Incompleto.

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